
Impacto dos eletrónicos: LIXO ELETRÓNICOS (parte 2)

Olá, malta!
A semana passada falei do impacto dos eletrónicos, ao nível da produção e, como combinado, esta semana, volto aqui para falar do impacto dos eletrónicos, no fim de vida, quando se transformam em lixo eletrónico.
Honestamente, não sei qual a parte mais assustadora. Mas, uma coisa é certa, o problema do lixo eletrónico é uma bomba relógio e vais perceber que os número (que devem ser menores do que os reais) não nos deixam enganar.
Lixo eletrónico: o que é?
Como no artigo anterior, vou recorrer à definição utilizada no E-Waste Global Monitor para clarificar do que falamos (e o que significam os números).
Equipamentos elétricos e eletrónicos: inclui uma ampla gama de produtos com circuitos ou componentes elétricos com alimentação ou bateria.
E-Waste/Lixo eletrónico/ E-lixo: quando esses equipamentos são descartados pelo proprietário como lixo, sem intenções de reutilização. Os equipamentos no mercado de segunda mão não são considerados lixo eletrónico.
Lixo eletrónico: os números
Acho que todos nós, olhando para o “nosso” estilo de vida atual, conseguimos ter a noção que a quantidade de lixo eletrónico mundial deve ser grande, mas acho que não conseguimos ter bem noção até olhar para os números:
Lixo eletrónico (2019)
MUNDIAL: 53.3 Mt / 7.3 kg per capita
EUROPA: 12 Mt / 16.2 kg per capita
PORTUGAL: 170 kt / 16.6 kg per capita
Pequena nota (para ficar ainda mais claro): 1 Mt = a 1 000 000 toneladas | 1 Mt= 1 000 000 000 kg | A Torre Eifell pesa aproximadamente 10 100 toneladas.
De todo o lixo eletrónico gerado mundialmente, apenas 17.4% é recolhido para reciclagem correta. Uma boa noticia é que recolha para reciclagem correta, desde 2014, tem aumentado (0.4 Mt/ano). Mas, se tivermos em atenção que o consumo de aparelhos eletrónicos tem aumentado, em média, 2.5 Mt por ano, a noticia não é assim tão boa.
A industrialização e urbanização, o aumento do rendimento disponível em conjunto com os ciclos de vida curtos de alguns aparelhos, bem como as escassas possibilidades de reparação justificam estes números elevados (aliás, elevados é quase um eufemismo).
A Ásia é o continente que mais lixo eletrónico produz, em termos absolutos. Mas, a Europa ocupa o pódio na média de E-Lixo por pessoa (sendo irónica: não dá para ser só o continente super civilizado não é? ahahah).
Contudo, não são só coisas más. A Europa também é, de longe, o continente com maior taxa de recolha para reciclagem apropriada (42.5%, seguida pela Ásia com 11.7%). Sendo também aquele que tem uma legislação mais apertada neste sentido e objetivos mais ambiciosos para o futuro (yeahhhh! Falarei mais disto, no próximo sábado, quando falar das coisas boas a acontecerem!).
Estima-se que, em 2030, o número mundial suba para as 74.7 Mt.
Lixo eletrónico: porque é tão problemático?
Em primeiro lugar, a quantidade de lixo eletrónico global, se propriamente coletada e reciclada, poderia diminuir bastante a pegada ecológica dos aparelhos electrónicos, minimizando os danos ambientais da extração e transformação das matérias-primas. Para teres uma ideia do potencial da reciclagem, estima-se que 7% do ouro mundial possa estar no lixo eletrónico e a recuperação de ouro de lixo eletrónico emite 80% menos dióxido de carbono do que a mineração.
Em segunda lugar, mas não menos importante, o lixo eletrónico é extremamente tóxico e não é biodegradável. Os aterros de lixo eletrónico contaminam o ar, a água, a terra, os alimentos cultivamos, etc. Em aterros nos países do sul (o mais conhecido é Agbogbloshie, no Gana) os aparelhos são queimados para obter os metais, libertando vários tóxicos para o ar que, as pessoas que lá trabalham (nomeadamente, crianças), respiram. Nesses casos, à custa da saúde das pessoas e planeta, acaba por existir um aproveitamento de alguns materiais, mas ele é muito menos eficiente e muito mais perigosos, do que quando reciclados de forma apropriada (por exemplo, na Europa). Recomendo que vejas alguns documentários que sugiro, no final, para teres noção dos problemas relacionados com estes amontoados gigantes de eletrónicos. É chocante.

Os problemas que referi, levam-nos à grande questão: se apenas 17.4% é reciclado, o restante lixo acaba em aterros em África? Não. Mas talvez lol.
Nos países desenvolvidos, estima-se que 8% seja depositado, pelas pessoas, no lixo comum e acabe em aterros/inceneração (especialmente pequenos aparelhos) .
Haverá uma percentagem, mesmo em países Europeus, que será reciclada informalmente (ferro velho, pessoas que desmantelam para peças, etc).
Quanto ao lixo eletrónico exportado, tanto para o hemisfério sul, como para o leste, é bastante difícil de mensurar pois para além de ser, muitas vezes, exportado ilegalmente, outras é exportado como bens em segunda mão (teoricamente, ainda a funcionar para ser vendido). De acordo com os poucos estudos existentes, estima-se que os movimentos transfronteiriços de resíduos eletrónicos representem 7-20% do global, mas como disse, são estimativas (até porque ficamos com uma quantidade muito significativa de lixo eletrónico produzido sobre o qual não se sabe, ao certo, o destino final).
Concluindo, temos 82.6% do lixo eletrónico mundial, com um paradeiro “meio incerto”. Isto traduz-se em 0.05 kt de mercúrio, 71 kt de de plástico com retardantes de chama bromados (atualmente, proibidos na Europa, pois existe evidência de que são prejudiciais à saúde) e 98 Mt de dióxido de carbono potencialmente libertadas pelos equipamentos de refrigeração.
Lixo eletrónico: a reciclagem
A reciclagem de lixo eletrónico para além de ser, obviamente, necessária perante as quantidade assustadoras de aparelhos a contaminar o planeta, é também uma forma de diminuir a dependência dos países, quanto a matérias primas. A chamada mineração urbana (retirar minerais do lixo eletrónico, em vez de retirar da terra) pode reduzir a dependência das reservas mundiais e flutuações de preços, de várias matérias. Isto tudo, para além dos benefícios ambientais de reduzir a mineração. Reduzir, pois mesmo que existisse reciclagem eficiente, perante as tendências de consumo atuais, ainda estaríamos dependentes das reservas naturais, ainda que muito menos do que no cenário atual.
Reciclagem de lixo eletrónico: quais os desafios?
Masssss, há sempre um mas lol…. Se fossem só maravilhas já estava tudo a reciclar, claro! Para deixar claro que esta questão é muito complexa (e sistémica), deixo aqui uma lista de alguns dos desafios enfrentados pela reciclagem, destes equipamentos:
- ausência de infra-estruturas (exemplo: maioria dos países africanos);
- ainda não há tecnologia suficiente;
- alguns materiais estão muito dispersos e em pequenas quantidades;
- dificuldade de recuperação dos aparelhos (exemplo: telemóveis estragados que, alguns de nós, vamos guardando na gaveta);
- design pouco circular, aparelhos não são desenhados para os componentes serem aproveitados no fim de vida;
- Há substancias que já não se usam/são proibidos (exemplo: certos retardantes de chama, na Europa);
- Não é viável economicamente (exemplo: algumas matérias que são extraídas em países que desrespeitam os direitos humanos, por isso, possivelmente, serão mais baratas do que reciclar e respeitar os direitos humanos na Europa/ materiais que a reciclagem é dispendiosa e o material quando reciclado perde muita qualidade, como certos plásticos).
Resumidamente, é isto lol. Um bocado assustador, mas é o que temos lol. Para aprofundares, aconselho-te a veres/leres as recomendações que deixo no fim do artigo.
Para a semana, volto com noticias mais animadoras! Na continuação deste tema, vou contar-vos o que, durante esta pesquisa, descobri que está a ser feito para melhorar este cenário, como devemos/podemos contribuir para a mudança, etc.
Se quiseres ler a primeira parte, sobre o impacto da produção de eletrónicos, podes fazê-lo aqui.
Nota: a principal fonte deste artigo é o The global E-Waste monitor 2020 (todos os números foram retirados de lá) e aconselho MUITO a leres também. Infelizmente, este ano, não há versão em Português. No site globalewaste.org consegues aceder a vários dados de uma forma simples e rápida, como o lixo eletrónico por pais, taxa de recolha para reciclagem,etc.
FONTES/RECOMENDAÇÕES:
Para além de algumas das recomendações que fiz na parte 1, que abordam também o fim de vida, como o documentário Custo do Vício Digital, o livro A história das coisas, entre outros.
Para ler:
- A new circular vision for electronics: time for a global reboot
- E-waste: A Challenge for Sustainable Development
- Agbogbloshie: the world’s largest e-waste dump – in pictures
Para ver:

